Por desgosto ou por preguiça deixei de escrever aqui. Espero voltar. Afinal, essa casa vazia é minha, com todas as suas janelas e esse espaço gigantesco onde posso pular, gritar, dar cambalhotas e até mesmo, veja bem, criticar. Porque, olha. Não sou dessas de só espalhar purpurina. Gosto de colocar o dedo na ferida porque foi o que aprendi a fazer por toda a minha longa e tenebrosa formação como cientista social. Claro, a gente desconstrói, mas também procura apontar caminhos para uma reconstrução melhor estruturada. O famoso morde-assopra, mas bem-intencionado. Fato: brasileiro tem baixa tolerância a crítica. A bailarina do ventre brasileira, por sua vez, é um caso à parte. É muita dor ouvir uma criticazinha bem besta, do tipo: “sua música poderia ter sido melhor editada, amiga. Manda pra mim, posso te ajudar”. Questionar escolha musical ou, ainda pior, acenar algum deslize em leitura ou semântica (tipo dançar um saidi num dabke) é suicídio social. Assim vou sobrevivendo nessa selva de strass. Como já estou nessa lambada há tempo o suficiente para me chatear cada vez menos com detratores, vou soltar mais umas rosnadinhas, com o único objetivo de apontar o problema e ajudar a pensar numa solução. E meu tema de hoje é: O EVENTO. Quem nunca quis morrer na plateia de um “espetáculo*”? Evidentemente que, para quem sobe ao palco, os problemas são, no mais das vezes, circunscritos à própria performance. A sensação do público é absolutamente diferente da de quem vivencia o arrepio da ribalta. Atrasos, apertos, erros e outras expressões de amadorismo reduzem a experiência artística do espectador. Sim, gente, amadorismo. Vamos perder o medo de dar às coisas os nomes que elas merecem. Quando uma “produtora**” consegue atrasar um show em meia hora e esse show leva três horas para se concluir ela está se mostrando absolutamente desinformada quanto à tolerância do público, por exemplo. E desinformação é amadorismo. Já tive meus momentos ruins (péssimos). Hoje, porém, me orgulho de produzir eventos muito bem-feitos e organizados. Ofereço, portanto, algumas dicas para quem está começando, para quem não tem medo de reconhecer erros ou simplesmente para quem quer oferecer um melhor serviço para seu público.
1. Defina o caráter e a duração de seu evento I É um espetáculo? Uma mostra? Um chá (ou hafla)? Cada um desses eventos tem uma cara própria, um custo próprio e procedimento particular. De todo modo, tenha sempre em mente que nenhum evento em que o público se encontra sentado, tendo pagado ingresso e sem comida e drinks rolando ad infinitum pode durar mais do que uma hora e quarenta minutos. Por mais que você ame a dança, não dá para exigir de todos disciplina e paciência para tanta dança do ventre. E vamos combinar que o objetivo de um show é proporcionar não apenas aprendizado às alunas que sobem ao palco, mas também, e principalmente, entretenimento. 2. Defina o caráter e a duração de seu evento II Um espetáculo em dança do ventre tem números conectados por uma temática comum. Assim, figurinos, música e espírito da dança, em geral, devem se conectar para formar uma cena ou contar uma história. Nunca curti contar historinha em espetáculo, provavelmente por falta de talento mesmo. Já vi bons espetáculos com começo, meio e fim, circulares, perfeitos, mas nunca de dança do ventre. Cuidado para não ficar piegas. Há um espetáculo do AYUNY (acho que de 2006) particularmente constrangedor. Mas não fui eu quem fiz (ah, como sou ruim) e acho que fiquei com muito trauma. De modo que atualmente construo um tema, passo às professoras, conversamos, entramos na onda e temos eventos lindos como nosso último espetáculo, “Absinthe”, baseado no torpor orientalista da belle-époque francesa. Uma Mostra, por sua vez, se constrói com shows isolados. Ainda assim, cuidados com figurinos e organização dos shows são essenciais. Como no espetáculo, é importante construir uma dinâmica, seja musical ou artística, para manter o público interessado. Assim, procuro intercalar clássicas com folk ou tribal, por exemplo, sempre buscando a surpresa. Se os figurinos da turma ou solo anterior tem o mesmo tom do próximo, o efeito no público pode não ser o esperado. Se suas turmas não são tão variadas ou criativas, ou ainda se você quer enriquecer seu show e garantir boas amizades no meio, convide grupos que você admira. Há a possibilidade de levarem público pagante, o que é ótimo. Mas, principalmente, grupos de outras escolas ou professoras trarão frescor para seu evento, com perspectivas artísticas diferentes. Se você vai fazer um chá (ou hafla, pro pessoal do tribal), pelamordedeus, coloque comida decente! Não compre um cento de salgadinhos e quatro litros de refri. Aumente o valor do ingresso, diminua o número de pessoas. A experiência do chá é justamente a de curtir dança enquanto bate-papo e petisca. Como se fosse um barzinho, mas geralmente sem bebidas alcóolicas (as pessoas podem levar um vinho, por que não?), com comidinhas e danças legais. Um ambiente informal, onde as pessoas circulam. E comem. 3. Use sabiamente o microfone Eu nunca uso microfone. Mas não condeno quem o faz. Mas condeno quem faz piadinha no final do espetáculo, que conversa demais. Fim de espetáculo é pra juntar todo mundo e celebrar. Deixa as pessoas irem embora; todo mundo quer ir nos bastidores, abraçar a amiga, a filha, a irmã. Não quer escutar ma’alima agradecer todo mundo e Deus. 4. Muito cuidado com a música Em um de meus espetáculos tive a triste experiência de a música travar em dois solos. Sim. Um deles, de convidada. E eu não mando voltar, infelizmente. Porque os atrasos começam aí. E é uma bola de neve de problemas. Então ficou muito feio, mas a culpa foi minha. Porque as professoras mandaram a música no dia do espetáculo e eu não as ouvi. Gravei o cd na tora e levei para a cabine de som. Deu o que deu. Meu amadorismo em três etapas: 1) falta de autoridade para determinar e fazer cumprir o prazo de envio das músicas; 2) desleixo em não ter ouvido as músicas em casa; 3) desleixo em não ter, no mínimo, deixado o cd rolar inteirinho no teatro. Isso aqui está ficando longo e tenho sono. Tem mais dicas. Se curtirem, avisem, que dou continuidade. Mil beijos, R. *Em aspas porque me parece que temos nossa própria acepção de espetáculo, a qual parece diferir da do showbiz em geral. ** aqui é só sarcasmo mesmo.
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