Algumas opiniões

Há um tempo, respondi a um post na comunidade Dança do Ventre com Liberdade no orkut. O tópico era “Por que a DV ainda é tão amadora?” e conclamava os membros a responderem a algumas pergundas. Respondi lá, mas o tópico michou. São questões interessantes, por isso posto aqui minhas respostas e sigo com mais comentários.

Certamente esta é apenas minha humilde (pero no mucho) opinião. Mas é o pontapé de um debate que pode ser muito interessante.

Vamos lá:

1. “Por que o meio da DV ainda é tão amador?”
Essa é a mais complexa. Acho que a comercialização da dança como apoio terapêutico tem alguma responsabilidade nisso. A falta de estruturação de um curriculum (uma faca de dois gumes) e a absoluta ausência de controle na especialização, idem.

Essa parece ser a questão que mais inquieta as bailarinas sérias, gente que realmente se dedica à dança, gosta dela e quer vê-la crescer. Quando falo de estruturação de curriculum e ausência de controle na especialização, também me inquieto. Porque a dança agora parece ter concretamente se transnacionalizado (é apropriada e “modificada” por diferentes nacionalidades), mas ainda se presta tributo à sua origem árabe. Poucas realmente negam essa origem. E transformá-la a ponto de fazer dessa dança uma prática de academia (como o balé) seria ratificar a expropriação.

2. “Por que ainda se diz que essa dança é da deusa sagrada?”
Porque tudo que é “oriental” acabou sendo sacralizado ou associado à não-racionalidade em vários meios de comunicação, desde muito e a partir do século XVIII especificamente (Ó o Said aí, gente! Opa, ó o Weber também aí, gente!).

Deixo esse debate das afinidades sagradas para outro momento. É muito chato.

3. “Por que ainda se fala da presença do troço do sagrado feminino como se fosse uma entidade da dança?”
Idem. Mas também porque, em nossos tempos, as pessoas sentem-se livres para associar quaisquer símbolos que estejam à mão com quaisquer outras tradições (que também estejam à mão).

Idem.

4. “Por que não se valoriza a bailarina de dança do ventre como se valoriza a bailarina do ballet clássico?”
Vamos todas ler “Orientalismo”? Tem uma edição em pocket da Cia das Letras baratinha.

Resposta pedante, eu sei. Mas é sério, não se responde a esse tipo de questão sem uma boa estudada na história política das relações entre os chamados oriente e ocidente. É tudo bastante mais complexo do que parece. Não se trata de o balé “desprezar” a dança do ventre. Tampouco é culpa de um suposto amadorismo desta última contra a superespecialização da primeira. O imaginário sobre a dança do ventre foi construído pela intelectualidade européia através da comparação (sempre desequilibrada) com suas próprias instituições. Entre elas, o balé.

5. “Por que ainda tem bailarina que dança de graça?”
Principalmente, por falta de estímulo das professoras ou mesmo das academias onde fazem aulas. Se as professoras promovessem chás, saraus, oportunidades para que as meninas se apresentassem e se formassem como bailarinas, apoiadas e orientadas por alguém com mais experiência, isso não seria tão freqüente.

Acho que é isso aí.

6. “Por que os espetáculos de dança do ventre são de uma mesmice sem fim?”
Porque não são espetáaaaaculos de verdade. São mostras de dança com a apresentação das turmas da academia. Raras são as bailarinas que de fato constróem espetáculos, com argumento, encademento, tema e coesão entre coreografias. Isso é dificílimo de conciliar, quando se trata de uma academia, com várias turmas, várias professoras, cada uma com um conteúdo a ser trabalhado.

Isso é uma questão à qual quero voltar com um post compriiiido…

7. “Se todo mundo quer respeito na dança, por que fazem roupas de buracos imensos, sutiãs esturricados, saias de fendas no pescoço?”
Porque o respeito à dança não está diretamente relacionado à pouca roupa da bailarina. No ballet clássico, mostra-se a bunda (muito bem embalada, claro, mas ainda assim, de collant!) todo o tempo; no ballet moderno, temos performances quase nuas.
Não há relação.

Também considero este um tema importantíssimo. Porque vou te contar: ô mundinho moralista este da dança do ventre. Vixe!

8. “Por que muito pouca gente discute dança de forma inteligente e sem bitolação de deusa ou de que todos temos que pensar igual, como se fossemos uma irmandade?”
Mistéeeeeeerio….

16 respostas para “Algumas opiniões”.

  1. É, xuxu… Como sempre vc sendo certeira nas palavras. Eu tenho uma vontade tresloucada de sentar com vc num lugar, e proseá muito, e acho que a gente não vai ficar só no papo de dança.
    Eu via essse tópico a toda hora, mas ando muito desmotivada prá postar nas comunidades de DV. Ultimamente anda rolando muita baboseira, picuinha e eu tenho mais o que fazer. Saudade da nossa “sala”. Acho que vou reativá-la.
    Frô, concordo com vc e desde muito penso que olhar a dança sob um viés antropológico ajuda a compreende-la de maneira muito mais clara. E gosto da forma como vc consegue trazer esse olhar de uma maneira suave e didática.
    E a gente ainda está no 5º dia de 2009. É…. acho que esse ano vai ser f. de bão mesmo.
    bjo.

    É, eu tenho tentado acompanhar, mas tá complicado. Boto fé de participar de uma comu bacana. Pode criar que estarei lá!
    Valeu pela companhia virtual, lindona! Com certeza, em breve a gente consegue se encontrar, tomar uma cervejinha e prosear sobre a vida!

  2. Roberta…
    “8. “Por que muito pouca gente discute dança de forma inteligente e sem bitolação de deusa ou de que todos temos que pensar igual, como se fossemos uma irmandade?”
    Mistéeeeeeerio….”
    hahaha… Foi pensando nisso que eu criei meu blog!

    Arrasou, falou bonito e concordo em váaaarios pontos…

    E sobre o amadorismo da DV, acho que é em parte, infelizmente, a falta de um comprometimento maior de estudar a dança não só com o glamour da novela ou como um punhado de técnica, mas as duas coisas juntas. E também teria que acabar a síndrome do “sei tudo, sou a mestra da DV”. Todos sempre temos o que aprender, estudar, ensaiar, aperfeiçoar e por incrível que pareça, ler!

    Beijos e um ótimo ano pra você!

  3. Primeiramente Rô, o tópico michou pq era um debate interessante e inteligente, parece que, pelo orkut, se você não está falando bem ou mal de alguém o assunto não rende. Por isso, cada vez mais estou fora dessas comunidades!
    Adorei suas considerações, vou até ler Orientalismo assim que puder.
    Estou otimista com relação a bailarinas pensarem e questionarem cada vez mais as coisas, acho que são poucas que ainda batem na mesa para dizer o que pensam, mas se algumas refletem sobre o que poucas escrevem então já está se iniciando uma nova era e há esperança hehehe.

    O orkut anda meio devagar mesmo. Não vejo uma boa discussão há tempos. No entanto, como você, também ando bem otimista. Nos blogs tem rolado coisa boa de verdade. Ampliaram-se em muito os espaços de discussão interessada e estamos amadurecendo.

  4. Ró, uma resposta só: pq quem faz DV nesse país tem preguiça de pensar.

  5. Não é nem preguiça de pensar, lory. O deprezo pelo conhecimento é generalizado na nossa cultura…
    Acho que é pedir muito pra lerem o orientalismo, já que a maioria é incapaz de saber que o Egito fica na África…

  6. Ju, pra mim, desprezo pelo conhecimento é pior do que preguiça de pensar…

  7. Concordo lory…é triste

  8. Roberta, inaugurei meu blog!!! Já te adicionei por lá, nos meus recomendados!

    Vamo que vamo! Beijão!!!

  9. Bem, acho que tantos mitos sobre a dança do ventre (deusa e tals) permanecem por esse universo ainda ser muito desconhecido por nós. Se fosse dito a mesma coisa sobre ballet, muitas de nós duvidariam 🙂 Como é sobre dança do ventre, “essa dança exótica”, a gente engole e pronto. Outra coisa é acesso à informação, que hoje está bem mais democratizado e com informações mais plurais. Se há uns 10 anos buscássemos no Altavista qualquer coisa sobre dança do ventre, provavelmente encontraríamos um monte de sites falando as mesmas coisas. Hoje, não, encontramos o blog da Rô, por exemplo 😀
    E sobre essa pilantragem e essa falta de profissionalismo na dança, creio que tem muito a ver com a formação das bailarinas. Para ser bailarina não basta saber dançar ou saber repetir coreografias. Parece que só fazer workshops já é o suficiente para ser professora, bailarina profissional, empresária…

    PS: Rô, parabéns pela nova sede do Ayuny! Quero conhecê-la!

  10. Pôxa Ro, quantos tópicos interessantes em um post só! Fiquei muito animada com seu texto, por que pelo jeito em 2009 vc vai estar melhor ainda…

    Flor, um pedido: Pega cada um desses pontos e faz um post pra cada?

    Vai render discussões interessamtíssimas, já que o povo anda interessado!

    Beijoconas linda e Feliz 2009!

    Lindona,
    bora fazer nós duas? Seria legal ter a perspectiva de cada uma. O ruim é que ando lerda, mas seria uma boa pressão para mim. Bora lá? Ponto por ponto? Também acho que seria legal discutir essas questões. Um bom exercício.
    Beijos mil!

  11. Avatar de Samantha Monteiro
    Samantha Monteiro

    Hum.. realmente cada tem dessas tem muuito potencial… agora, concordo contigo que esse papo de afinidades sagradas é chaaato…. Nada contra quem dança pra Deusa, mas daí a dizer que só dança bem quem dança pra Deusa… com essas eu perdi a minha paciência há alguns anos atrás, ainda nos primórdios das listas de discussão…. Feliz 2009 com muita dança consciente e pensante pra todas nós!!

    Tin-tin, gatona!

  12. apesar dos pesares, eu tenho visto uma mudança significativa nos últimos tempos em relação ao ‘pensar’ a dança. é como se aos pouquinhos, tudo que é repetido sobre uma DV bacana, de bom gosto e bem feita vem sendo levado a sério.

    um dia a gente consegue \o/
    bjooos

    que o ano seja maravilhoso lindona!

    Concordo. Há, sim, como notei em outro post, uma mudança grande nas letras da dança. Vamo que vamo, né?
    E, sim, acredito fortemente neste ano! Bora arrebentar!

    1. Concordo. Há, sim, como notei em outro post, uma mudança grande nas letras da dança. Vamo que vamo, né?

  13. Quanta bobagem eu já ouvi e e sei que continuarei ouvindo , coisas do tipo : batizado de aluna , ritual do 1º véu , festa da Lua Cheia para a Grande Deusa …. enquanto as pessoas perdem tempo em misturar dança com filosofia ou até mesmo religião (sim porque sei de um grupo que pra dançar nele você deve participar do coven WICCA) deixam de se aprofundar culturalmente na dança e na sua origem em si , e até mesmo botar o treino em dia e cuidar da sua dança como qualquer outra , pois é necessário sim , prática , treino e muita dedicação para alcançar qualidade …. tô bem cansada desses papinhos, nem discuto mais , faço cara de “paisagem” , dou uma de loira burra e mudo de assunto !!!

    Nusss. Preguiça monstra.

  14. Tô com preguiça de comentar tudo isso DE NOVO. Talvez quando a discussão for tópico por tópico, porque é coisa demais pra pensar duma vez.

    Tô aqui pra dizer que a foto nova ficou líndica. Mais bonita que a outra até. E que esse pescoço em close ficou muito sexy.
    Por enquanto é só, pessoal.

    Ui, tô me sentido sexy de verdade agora. Brigada, amiga. Precisa disso. Messs.

  15. Pôxa Rô topo super, mega honra… Podemos fazer uns especiais né? Bacanésimo. Manda por e-mail umas idéias, vc lidera daí. Sei que é corrido, mas espero seu contato imediato de quarto grau.

    Anota: lu@luanamello.com.br

    Bjs

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